As armas engordam as economias
Além-Mar
Dezembro 2001
Excertos
D. Manuel Martins
Estava há muito pouco tempo em Setúbal, quando fui convidado para visitar uma fábrica e aí celebrar a Eucaristia.
Imagine quem for capaz a alegria que senti, até pelas circunstâncias especialíssimas de tempo e lugar.
Só que, chegado à fábrica, logo me sinto arrepiado. Sabem porquê? Porque se tratava de uma fábrica de material de guerra, isto é, de armas que não tinham outro destino que não fosse o de matar. E fiquei inclusivamente a saber que aquelas que se fabricavam com o meu testemunho se deveriam enviar, logo que possível, para um desgraçado país do Oriente que ainda hoje não conhece a paz.
Isto quer dizer que Portugal também enfileira na lista dos países que entram na corrida da morte. Somos, é verdade, peregrinos da paz, mas, às vezes, fico-me a pensar que, bem cá no fundo, queremos a guerra. E que a guerra, como a droga, dá dinheiro, engorda economias, faz riqueza. E acontece – penso que acontece – que muitos desses «altos senhores» que correm o mundo a promover e a participar em cimeiras de paz já levam consigo, nas suas pastas, contratos para serem assinados, para fornecimento de material de guerra.
Sei, com alegria, que se desenvolve no País, com grande sucesso, um abaixo-assinado, com o sentido de se acabar urgentemente com tal actividade – fabrico/fornecimento de armas –, actividade que, para além de todas as suas vergonhas, nos retira toda a legitimidade de falarmos em paz, fazermos manifestações pela paz, promovermos encontros ecuménicos pela paz. E que «a paz é obra da justiça» e a primeira componente da justiça é verdade. A mentira abre portas à guerra, a mentira alimenta a guerra.
Sabemos ainda – quem o havia de imaginar? – que muitas dessas armas que matam, mutilam, afogam sonhos e esperança, vão parar às mãos de crianças, que, assim, nunca chegarão a ser gente.